Passou a noite em claro, e foi, com a Dona do Céu, que dividiu suas preocupações.
Atordoado com a situação, engolia as
pílulas juntamente com os passos do ponteiro e esperanças quase mortas, como
ele.
O futuro
escorreu-esvaiu areia e se perdeu com a tempestade.A dor vinha mesmo do presente. Sentia-se
apodrecendo- Era a alma, sim, a alma! Apodrecia sem qualquer redenção.Diferente
do infeliz, as pílulas alcançavam o triunfo.
Sentia-se fera sedada e o animal, agora
indefeso, admitia derrota e caminhava tremulamente ao leito improvisado.E foi
ali, no velho tapete do corredor que os membros cederam e o corpo foi derramado
ao chão.
O peso dos pecados era quase imperceptível
e concebeu o som oco, abafado...Som esse que não tornou possível o
socorro.
O animal suava frio. E as batidas do
coração quase morto-descompassavam.
A cabeça girava ao redor de todos os
porta-retratos vazios que ocupavam a parede. Havia na realidade apenas uma foto
preenchendo o cenário fúnebre.
Estava com seu pai. Ao fundo havia rosas
vermelhas, milhares delas.
Apesar de todo o calor brotado de cada
pétala carnuda, os sorrisos eram frios, como numa tentativa erroneamente
calculada de compor o cenário. E era disso que viviam: mascarar buracos. Esses
buracos d'alma.
O sorriso sisudo do pai, pai esse que já
havia morrido para o animal desde sua infância, talhou-se como lembrança
ardilosa.
Aquele sorriso havia penetrado. Sim!
Penetrado o íntimo da carne; havia destroçado os olhos de pureza infantil.
Desde então, da lembrança negra, a fera se
alimentava de rastros. Num delírio convulsivo, tentava jogar os pedaços do
corpo para alcançar a fotografia.
'Acalme-se. Estou aqui com você...'
-Coloquei a fotografia próxima a seu
quadril. Acredito que ele recolhera toda devassidão daquele dia para dentro de
si e uivou pela última vez.
Logo entendi seu recado...
Um pedido que apenas lágrimas de infância
roubada poderiam fazer...
Quebrei o vidro do porta-retrato e,
gentilmente, deixei um pedaço suficiente em suas mãos.
A fraqueza vinda do cansaço de vida morta
e das dezenas de pílulas deixaram apenas um leve risco sobre a garganta.
Minha mão estava agora sobre sua pata, e,
juntos, desenhamos o corte: era o sorriso do pai na garganta.
Não sei te dizer exatamente o porque, mas esse texto mexeu comigo... mexeu em lembranças que achei já ter esquecido, lembrei de dores antigas que me tiravam o sono, mas hoje são apenas lembranças que serão novamente esquecidas^^
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