quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Tudo é viagem.

Finalmente o ácido atravessou o intestino sem deixar buraco algum. Como?! Nem eu sei! Talvez desamor demais enquanto a época de amor era ditadura. Acho que ela gostava assim: desamor com o toque adocicado de promessas infundadas. Um desamor no desalento.
Deixei o álcool entrar. Da última vez que ele escorreu a garganta foi o seu nome que ganhou o tom. Mas dessa vez o que saiu foi vida, foi dança, foi "Dane-se. Vou ser feliz". E o que vi e ouvi nem doeu. Na realidade foi bonito! Bonito porque já era hora de rumar e os passos foram uma dança cadente da qual pedi três desejos:
Eu, você e o resto do mundo bem.
Se você está bem: boa sorte, boa vida! Vá sim ser feliz!
Agora o meu nariz (e que nariz!) tem que ser mais cuidado! Foi bom ver, foi bom sentir que aquela luta se esvaiu torneira e sangue. O que havia, houve! O que era pra ser entendido, foi sentido! E "fique bem ficando" passou cruel mas agora é lei. Que fiquemos-todos!
Estou feliz com uma morte que não houve. Com aquelas flores amarelas que já celebravam morte desde então. 
Estou feliz porque descobri que não morri! Meu Deus e narratário, jurava que era morte e não, não era! 
Que fiquemos todos por aí, celebrando!

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Madrugada

Tinha de admitir que sentia medo. Era difícil explicar fosse para quem fosse que sentia um medo angustiante por algo velho que no momento se fazia novo. Engraçado porque ao se despedir de seu pai, ouviu: "Vai fazer seu caminho. Não se preocupe com os outros.'' Era sim uma fala impressionante. Era um convite de liberdade desmedida que a assustava.
 Como poderia dizer que aquilo deixara sua habitualidade e comodidade já reservada e quente por algo incerto a desconsertava de acordo com o princípio ser e estar? Seu pai havia lhe sugerido a idéia de um cheque em branco e ela sentia medo do excesso ou desuso.
 Era grande o poder nas mãos do aprendiz- poder esse que poderia ter efeito corrosivo matando de dentro para fora enquanto a vítima tentasse degustar vida- a vida que ainda desconhecia: de fora para dentro. 
Agora pensava se as pessoas que tanto estimava sabiam que não vivia de fora para dentro. Saberiam elas que sentia uma necessidade emergencial, silenciosamente gritante de viver a largos goles a vida externa? Sentia a garganta seca de seu Deserto...
Quem sabe seu pai havia lhe dado aquele presente colossal e incalculado pra sanar a sua sede de viver. Seria doloroso pensar que foram palavras sem demais intenções que só possuíam a função de preencher despedidas. Pedia a sua intenção de Deus que esse não fosse o motivo.
Diferente das outras vezes, leu A paixão segundo G.H. do começou. Sentia como se pudesse corresponder o solicitado da autora logo no prefácio da obra: sentia a alma demasiadamente formada... E não se importava se o rótulo fosse pretensioso e impreciso. Talvez era isso que Clarice buscava: alguém que desistisse do contorno da compreensão.
O que queria dizer é que leu e via claramente que a terceira perna havia desaparecido e agora poderia correr.
Tinha sim de admitir que sentia medo, e muito. 
Era doloroso olhar perplexa diante do convite em branco da felicidade. Para ser sincera, já sabia do poder antes de qualquer despedida.
O medo culminava, mas ainda assim entrou no ônibus...

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Espasmo divino

Queria fumar.

Mas não podia. Uma mão segurava o pincel e a outra se ocupava com a paleta. O estúdio se limitava a luz da janela semicerrada e as pequenas transparências quadradas do branco da cortina xadrez. Não devia.
Um traçado negro, fino e indolente- começou assim. Sorria amarelo com os descuidos. Sentia, dentro de si, um gozo incontrolável que destravava o punho e raspava com força as cores no tecido.
Vivia a raiva e ela uivava sobre cada extremidade do corpo que flamejava por si só. O traçado era contorcido 
Sua mente estava entorpecida. O desvario levava a dançar pelos cantos do cômodo. Era como se conversasse com Deus e descobrisse que há plano nenhum, e que Mestre, por fim, fosse ilusão no instante que chamamos de vida e na entrelinhas oníricas da morte. Decidira portanto pintar a face de Deus no tecido manchado. E que audácia! 
Acendeu o cigarro.
Sentia Deus transbordando de si, das tintas, da taça de vinho, do pincel. Os emaranhados da fumaça do cigarro giravam sua cabeça e formavam a mensagem. Soube então que a qualquer segundo desfrutaria o prazer divino!
O segundo se dividira em tintas e no suor noturno que já umedecia a cortina. Era Deus, num corpo de mulher casta, sobressaindo da tela. O vinho jogado formava o cabelo ruivo e a carne dos lábios. Os olhos ditavam pecado, assim como seu andar que levava o Mestre ao encontro do Mecenas.
Tomou o cigarro de sua mão, tirou-lhe a paleta. Baforava as tragadas no rosto da criação. Sentia que a vida era sugada do corpo-embalagem. Sentia-se roto, enfim.
Por exato sabia o que fazer.

Estava prestes a matar o Criador.

domingo, 12 de agosto de 2012

Aniversário

Acordou, colocou a mão sobre o peito e percebeu que o coração batia assim como os segundos do relógio que estava sobre o criado mudo. Alegrou-se porque as batidas eram ininterruptas, seguiam o padrão sonoro e o padrão tempo.

Já em direção ao banheiro, retomou mentalmente os afazeres do dia. Um pouco de si aqui, outro tanto lá, metade de si num canto e nada para algo “extremamente importante”. Achava um saco se dividir por aí quando o que queria mesmo era pegar a bicicleta e pedalar até a cidade mais próxima.

Hoje era dia de seu aniversário e seu próprio presente era usar uma camisa que comprara no dia anterior...Ria de si sarcasticamente. Sentou para tomar café. Dia ensolarado. No jornal via que era dia para usar azul. Olhou para a camisa e viu a cor que chamava de “café” agindo como antítese do bom destino.

“E se” persistisse com a camisa cor de café?! Não encontraria A grande paixão enquanto empurrava o carrinho do supermercado ou a caminho da lotérica quando fosse pagar a conta de energia já atrasada? E se tropeçasse ao atravessar a faixa enquanto fosse em direção ao trabalho? E se acontecesse qualquer coisa que pudesse fazê-la sentir como se quisesse sumir do planeta?! Eram tantos “e se’s” que logo cansou e resolveu admitir para si que olharia mais o céu azul nesse dia. Teve medo e então colocou uma fita da mesma cor do céu no cabelo. Foi, dividida, para o trabalho.

No meio do percurso tropeçou numa pedra qualquer. Esbravejou “Tá vendo?!” – o punho erguido. Sua face estava rosada porque percebeu que “todo mundo” presenciou seu drama diurno. E seu todo mundo era uma senhora que varria a calçada como quem poderia passar o restante da vida naquele mesmo lugar (e que mal percebera a cena da mulher que usava uma fita azul no cabelo) e um cachorro travesso que brincava com uma borboleta morta.

“Uma borboleta morta?!” O dia não começou bem...


Resolveu chamar um taxi.

O resto do trajeto até o trabalho também não foi tranquilo. Pela janela do carro observava as casas e o comércio despertando.Tinha fome de grandes acontecimentos para o dia de seu aniversário. Aproximou a cabeça na janela (que estava aberta)...Tudo passava mais depressa, seu coração palpitava rapidamente. Acompanhava, ansiosa, apressada, com um sorriso no rosto  até o momento que....


"Não!!!"- A fita havia partido com o vento. Talvez, ainda, rumado ao cachorro travesso. "Mal sinal, mal sinal...".


O taxista ainda perguntou se ela queria voltar. Aquele senhor tinha um olhar tão bondoso e parecia mesmo disposto a voltar ,e, talvez, nem cobrar esse trajeto em busca da fita... Mas não, não quis voltar...Não queria atrasar para o trabalho e estar sujeita a outro terrível acontecimento... Horóscopo era superstição...Pura superstição barata...


Estava, agora, sujeita a sofrer qualquer ironia, maldade e sem gracisse do destino... Mas resolveu escolher ser mais sisuda. Estava em frente a porta do "paga contas".

Sentou, no lugar reservado para a caixa da floricultura. Seus colegas presentearam uma cesta de geleias e chocolates. Agradeceu, sorriu honestamente, mas, por detrás do sorriso ainda se preocupava...Não havia rosas azuis...

O tempo passou e passou... Seu coração voltou a palpitar conforme o tic-tac do relógio de pulso ditava. Foi pagar as contas e não tropeçou. Foi ao supermercado e não deparou com alguém que também procurasse por uma lasanha congelada e com tímidos risos iniciasse uma conversa corriqueira (e necessária) sobre passar o fim de semana em casa comendo lasanha e assistindo uma comédia romântica qualquer. Nada...


Pensava: "Bom, ao menos nenhuma grande tragédia aconteceu..."


Foi dormir. No dia seguinte não iria trabalhar e decidiu não ativar o despertador...Estava cansada. Jogou a temida e então amarrotada camisa cor de café na poltrona bege que ficava no quarto. Adormeceu rapidamente.


Acordou no dia seguinte com o som da campainha. Assustada e sonolenta, era assim que se sentia... Foi atender a porta. 

Usava uma camisa branca, como leite. Devia ter aproximadamente sua idade (e o que isso importava?!). Trazia consigo uma fita azul. Era sobrinho do velho taxista...


Estarrecida! Com um largo sorriso no rosto. O convidou para tomar café. 

Pediu para abrir o pote de geléia... 
Seu coração disparava: reparou que os olhos do rapaz eram azuis...

 -Azuis!!!

E ele ouviu e a olhou, sem entender. Sorriu...






PS: Para minha irmã Jacqueline, a tartaruga...






terça-feira, 7 de agosto de 2012

(À)Aqueles dias Vintage





Acordou com a janela escancarada e um dia ensolarado. Não queria sair da cama. O calor invadia o quarto, invadia os sonhos, que ainda, sonolentos, se despediam- Também acordava a pele enquanto os olhos se abriam lentamente.


Nesse instante tocava Tears for fears e a música se misturava com a preguiça de quem recém-desperta. A mistura de calor matutino, música dos anos 80- e olhos, agora, semicerrados, pediam regresso dos sonhos e embebiam os segundos de preguiça e uma tranquilidade infantil. Sentia que era o começo de um bom dia... Podia estar enganada, mas tudo aquilo valia um engano qualquer!

A janela era convidativa, além disso, possuía um peitoril grande o suficiente para bem acomodar-se diante de uma tela natural. O notebook também sentava, no colo, e sonorizava quinze ou trinta músicas francesas. Observava a paisagem distante... Ainda mais distante porque estava sem óculos e o que nasceu ao longe foi um Monet impressionista e impressionado com uma percepção tão boba de casas e ruas, de montanhas e céu.

E os grandes passeavam sobre seus pensamentos. Monet dava lugar aos bustos de Modigliani. Imaginava como seria seu rosto “Modiglianinado” ou como seria seu futuro apartamento com a sala decorada com uma reprodução de Egon Schiele (um de seus favoritos!). Havia criado um trava-línguas de uma palavra só! Se sentia boba e ótima!
Pois então, “A dança” de Matisse era ciranda composta por Alfredo Róldan e a presença de suas mulheres, cores e luas de Chagall sob um céu de Kandinsky e com maçãs e cebolas de Cézanne espalhadas ao chão. A música surgia do violão de Juan Gris... Imaginem só!

“Pagu” desfez os nós da garganta. Como era uma diversão pueril, logo lembrou da música, que passou a substituir as francesas. Ouvia a música (que já sabia de cor), atenta. 
Desejava dias de pincéis, batom, problemas na França e ser mais dona de seu nariz- Um à la Zazá- Parecia gostoso- arriscado! 

Riu, disse um palavrão qualquer pra sentir-se Vintage. 
               Era a primeira vez que um “Porra louca” tinha tão forte e cômico efeito! 


(Modigliani se revirando na cova!)





Sibilava:


Ratatá! Ratatá! Ratatá!
Taratá! Taratá!... 


E esse era mais um dia Vintage...