quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Espasmo divino

Queria fumar.

Mas não podia. Uma mão segurava o pincel e a outra se ocupava com a paleta. O estúdio se limitava a luz da janela semicerrada e as pequenas transparências quadradas do branco da cortina xadrez. Não devia.
Um traçado negro, fino e indolente- começou assim. Sorria amarelo com os descuidos. Sentia, dentro de si, um gozo incontrolável que destravava o punho e raspava com força as cores no tecido.
Vivia a raiva e ela uivava sobre cada extremidade do corpo que flamejava por si só. O traçado era contorcido 
Sua mente estava entorpecida. O desvario levava a dançar pelos cantos do cômodo. Era como se conversasse com Deus e descobrisse que há plano nenhum, e que Mestre, por fim, fosse ilusão no instante que chamamos de vida e na entrelinhas oníricas da morte. Decidira portanto pintar a face de Deus no tecido manchado. E que audácia! 
Acendeu o cigarro.
Sentia Deus transbordando de si, das tintas, da taça de vinho, do pincel. Os emaranhados da fumaça do cigarro giravam sua cabeça e formavam a mensagem. Soube então que a qualquer segundo desfrutaria o prazer divino!
O segundo se dividira em tintas e no suor noturno que já umedecia a cortina. Era Deus, num corpo de mulher casta, sobressaindo da tela. O vinho jogado formava o cabelo ruivo e a carne dos lábios. Os olhos ditavam pecado, assim como seu andar que levava o Mestre ao encontro do Mecenas.
Tomou o cigarro de sua mão, tirou-lhe a paleta. Baforava as tragadas no rosto da criação. Sentia que a vida era sugada do corpo-embalagem. Sentia-se roto, enfim.
Por exato sabia o que fazer.

Estava prestes a matar o Criador.

2 comentários: