domingo, 12 de agosto de 2012

Aniversário

Acordou, colocou a mão sobre o peito e percebeu que o coração batia assim como os segundos do relógio que estava sobre o criado mudo. Alegrou-se porque as batidas eram ininterruptas, seguiam o padrão sonoro e o padrão tempo.

Já em direção ao banheiro, retomou mentalmente os afazeres do dia. Um pouco de si aqui, outro tanto lá, metade de si num canto e nada para algo “extremamente importante”. Achava um saco se dividir por aí quando o que queria mesmo era pegar a bicicleta e pedalar até a cidade mais próxima.

Hoje era dia de seu aniversário e seu próprio presente era usar uma camisa que comprara no dia anterior...Ria de si sarcasticamente. Sentou para tomar café. Dia ensolarado. No jornal via que era dia para usar azul. Olhou para a camisa e viu a cor que chamava de “café” agindo como antítese do bom destino.

“E se” persistisse com a camisa cor de café?! Não encontraria A grande paixão enquanto empurrava o carrinho do supermercado ou a caminho da lotérica quando fosse pagar a conta de energia já atrasada? E se tropeçasse ao atravessar a faixa enquanto fosse em direção ao trabalho? E se acontecesse qualquer coisa que pudesse fazê-la sentir como se quisesse sumir do planeta?! Eram tantos “e se’s” que logo cansou e resolveu admitir para si que olharia mais o céu azul nesse dia. Teve medo e então colocou uma fita da mesma cor do céu no cabelo. Foi, dividida, para o trabalho.

No meio do percurso tropeçou numa pedra qualquer. Esbravejou “Tá vendo?!” – o punho erguido. Sua face estava rosada porque percebeu que “todo mundo” presenciou seu drama diurno. E seu todo mundo era uma senhora que varria a calçada como quem poderia passar o restante da vida naquele mesmo lugar (e que mal percebera a cena da mulher que usava uma fita azul no cabelo) e um cachorro travesso que brincava com uma borboleta morta.

“Uma borboleta morta?!” O dia não começou bem...


Resolveu chamar um taxi.

O resto do trajeto até o trabalho também não foi tranquilo. Pela janela do carro observava as casas e o comércio despertando.Tinha fome de grandes acontecimentos para o dia de seu aniversário. Aproximou a cabeça na janela (que estava aberta)...Tudo passava mais depressa, seu coração palpitava rapidamente. Acompanhava, ansiosa, apressada, com um sorriso no rosto  até o momento que....


"Não!!!"- A fita havia partido com o vento. Talvez, ainda, rumado ao cachorro travesso. "Mal sinal, mal sinal...".


O taxista ainda perguntou se ela queria voltar. Aquele senhor tinha um olhar tão bondoso e parecia mesmo disposto a voltar ,e, talvez, nem cobrar esse trajeto em busca da fita... Mas não, não quis voltar...Não queria atrasar para o trabalho e estar sujeita a outro terrível acontecimento... Horóscopo era superstição...Pura superstição barata...


Estava, agora, sujeita a sofrer qualquer ironia, maldade e sem gracisse do destino... Mas resolveu escolher ser mais sisuda. Estava em frente a porta do "paga contas".

Sentou, no lugar reservado para a caixa da floricultura. Seus colegas presentearam uma cesta de geleias e chocolates. Agradeceu, sorriu honestamente, mas, por detrás do sorriso ainda se preocupava...Não havia rosas azuis...

O tempo passou e passou... Seu coração voltou a palpitar conforme o tic-tac do relógio de pulso ditava. Foi pagar as contas e não tropeçou. Foi ao supermercado e não deparou com alguém que também procurasse por uma lasanha congelada e com tímidos risos iniciasse uma conversa corriqueira (e necessária) sobre passar o fim de semana em casa comendo lasanha e assistindo uma comédia romântica qualquer. Nada...


Pensava: "Bom, ao menos nenhuma grande tragédia aconteceu..."


Foi dormir. No dia seguinte não iria trabalhar e decidiu não ativar o despertador...Estava cansada. Jogou a temida e então amarrotada camisa cor de café na poltrona bege que ficava no quarto. Adormeceu rapidamente.


Acordou no dia seguinte com o som da campainha. Assustada e sonolenta, era assim que se sentia... Foi atender a porta. 

Usava uma camisa branca, como leite. Devia ter aproximadamente sua idade (e o que isso importava?!). Trazia consigo uma fita azul. Era sobrinho do velho taxista...


Estarrecida! Com um largo sorriso no rosto. O convidou para tomar café. 

Pediu para abrir o pote de geléia... 
Seu coração disparava: reparou que os olhos do rapaz eram azuis...

 -Azuis!!!

E ele ouviu e a olhou, sem entender. Sorriu...






PS: Para minha irmã Jacqueline, a tartaruga...






2 comentários:

  1. Que delícia de texto e de história... vou torcer pro meu presente de aniversário ser assim também...

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  2. Gab, sua irmã deve ter gostado do presente!

    Te aguardamos no primeiro Encontro de Blogueiros de Uberaba dia 22/09/2012 (sabado) de 13h as 15h na Biblioteca de Uberaba. Confirme sua presença em http://www.facebook.com/events/332075150221624/

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